sábado, 12 de maio de 2018

ESTRANHOS/ENTRANHAS

Imagem do jornal "Comércio da Franca", onde o texto foi originalmente publicado


“Vivendo, se aprende; 
mas o que se aprende, mais, 
é só a fazer outras maiores perguntas.”
(Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas)


Há pessoas que entram em nossas vidas tal como uma trombada, um atropelamento e, de uma certa forma, invadem com o seu “estranho” a nossa realidade. Mas e quando o atropelo vem do estranho que existe em nós mesmos?
É possível pensar que estranho é aquilo que não é íntimo. Mas, afinal, de quem somos íntimos? De nossas esposas ou maridos? De nossos pais ou filhos? De nossos amigos? Mas e de nós mesmos? Será que somos íntimos de nós mesmos? Até que ponto? Ou, em outras palavras, qual a qualidade do contato que conseguimos fazer com o que é estranho dentro da gente? E ainda, qual a nossa disposição para recebermos o estranho que vem do outro? E qual a nossa disposição para acolher o estranho que existe, que vive, dentro da gente?
Penso que acolher o nosso “estranho” e, quem sabe, conseguir transformá-lo em algo íntimo, como um lugar em que tenhamos tranquilidade e aconchego pode ser uma das funções da análise. O estranho podendo ser visto como as nossas entranhas, a parte interior e mais profunda da nossa existência. Buscar o estranho é também a busca infindável e infinita pela nossa verdade.
Infindável e infinita, pois o conhecimento é transitório e precário, uma vez que novas experiências podem nos desalojar de lugares antes sentidos como cativos.
 É preciso, além de coragem e mais alguns outros atributos, curiosidade para que consigamos buscar a verdade, a nossa verdade. Contudo, corremos o risco de, tal como Édipo (Édipo Rei, tragédia grega de Sófocles), fazer uso de uma curiosidade arrogante, para tentar se saber. O presunçoso e onipotente rei Édipo do início da peça, por não suportar o não-saber, o não-conhecer, precisou pagar um alto preço pela sua curiosidade estúpida até conquistar a humildade necessária para aprender com as experiências da vida.
Estes são alguns pontos que pretendo conversar a partir do estímulo do filme “Closer – Perto demais” (2005), no Cinema e Psicanálise que terei o privilégio de comentar hoje, às 15h, na Sede Campestre do Centro Médico. 
O filme, que é baseado na peça “Closer – Mais perto”, de Patrick Marber, este que também assina o roteiro para o cinema, foi dirigido por Mike Nichols, e começa com um delicioso “Olá, estranho!” da protagonista Alice, interpretada pela lindíssima Natalie Portman.

Assim, sem a pretensão de me igualar ao poder sedutor de Alice, mas com o intuito de despertar uma curiosidade saudável em vocês: “Olá, estranhos! Sejam bem-vindos para a nossa conversa de hoje à tarde!”

Gustavo Machado

(Texto originalmente publicado no Jornal Comércio da Franca, seção Artes, dia 12/05/2018, como um convite para o evento Cinema & Psicanálise de Franca, filme "Closer - Perto Demais")