segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Será que sofremos porque nos enamoramos de nossas certezas?

Instituto Figueiredo Ferraz, Rib. Preto/SP (foto divulgação)


"Acordei", pensa Eddy, ao levantar assustado da cama e tentando achar seu despertador.
Sente uma estranheza no seu olhar, mas como ainda está sonolento, não se preocupa. Porém, ao lavar o rosto, sua imagem refletida no espelho está desfocada.
Estranha e se estranha! 
Não se reconhece... 
Assusta-se! 
Mas, tentar se re-conhecer parece ser a única alternativa para poder voltar à sua rotina, que sente, não pode parar.
Rapidamente escova os dentes e toma seu expresso para sair. Eddy adora o gosto do café que dura na boca. Busca por suas chaves, por sua carteira e percebe que perdeu sua identidade ao passar ao lado do grande espelho que se encontra na sala de estar... 
“Espera!”, pensa. “Quem é esse?” Desaba em incertezas e se desconstrói das certezas que antes não tinha dúvidas…
Incrédulo e assustado, aos poucos consegue se levantar e caminhar até a porta para seguir para a vida. “Mas qual vida?”, pensa. O que o esperava do lado de fora? 
Hall de entrada, o mesmo. Elevador, o mesmo. As pessoas nas ruas mantinham a distância natural do desconhecido. “Ufa!”, um pequeno e breve alívio.
Mesmo com toda a concretude urbana se mantendo intacta daquela da sua lembrança, Eddy ainda não se sentia o mesmo. Já não podia mais dizer que era um recente acordar. Um barulho cutucava suas ideias. Não era um barulho alto, é verdade, mas um barulho baixinho capaz de, pela insistência, deixá-lo bastante desconfortável dentro de si mesmo.
Tenta então se recordar da noite anterior. Do dia anterior… Das semanas e meses que foram passando sem que ele se desse conta de contar. Dias, semanas e meses aos poucos se transformaram em anos desde a última vez que ele se lembra de si mesmo. A fogueira de viver e consumir a vida dos trinta e poucos anos “de repente”, aos 50, já não queimava mais… Nem brasa restava em seus olhos, apenas o pó que restou da lenha queimada.
Muitas perguntas atravessaram, com uma rapidez assustadora, seus olhos… Qual certeza Eddy ainda tinha para responder a qualquer uma delas? Nenhuma!
“Nenhuma? Isso! Nenhuma!!!”
Alívio…
Alívio?
Sim, uma tranquilidade desconcertante foi tomando conta de Eddy. Estranhamente foi sentindo como se uma sobre-pele estivesse derretando. Uma espécie de camuflagem, que lhe servia de armadura contra o desconhecido, foi se derretendo e revelando a possibilidade do não-saber, da incerteza, da dúvida.
Eddy se re-conheceu e seguiu…

- Gustavo Machado

(Texto escrito a partir da experiência do encontro no Instituto Figueiredo Ferraz,  Ribeirão Preto/SP, que teve como estímulo a frase-título e uma das obras de Edgard de Souza)